[ENTREVISTA] A cultura visual dá os nutrientes, o designer compõe a refeição

Entrevista a Bruno Azevedo

quarta, 27 de maio, 2015

Cada cartaz, folheto ou mesmo a agenda cultural do município que enviamos para sua casa, têm um trabalho de planeamento, paginação e, claro, um autor. São estes e tantos outros materiais que dão a conhecer cada espetáculo programado, embelezam ou organizam o equipamento cultural. Apesar de não ser exclusivo, Bruno Azevedo é o principal designer gráfico do Cine-Teatro de Estarreja e pensou o espaço deste a sua reabertura, em 2005. Eterno estarrejense, Bruno não esquece cada imagem que lhe passou pelas mãos e vai buscar inspiração a tudo o que vê. Sempre com ideias a borbulhar, o computador e os programas de edição são as suas principais ferramentas de trabalho, mas é a vontade de criar e a equipa que o rodeia que o alimentam.

Bruno Azevedo | 35 anos | Estarreja

Como elemento do Gabinete de Comunicação da Câmara Municipal és o principal designer gráfico do Cine-Teatro de Estarreja. Conta-nos como tudo começou?
Depois de concluir a licenciatura em 2004, tive a oportunidade de fazer um estágio profissional no município. Inicialmente estive na divisão da cultura. O primeiro trabalho que a minha orientadora, a Dra. Rosa Maria Rodrigues, me entregou foi a edição fac-símile de um livro de Egas Moniz, “Maurício de Almeida - o escultor”, que acabei de ler muito recentemente. Logo de seguida fiquei encarregue da comunicação gráfica das Festas de Santo António, da Cidade e do Município mas, entretanto, tanto a minha orientadora como o então Vereador da Cultura, José Cláudio Vital, deram-me indicações para desenvolver toda a imagem do CTE, que estava prestes a inaugurar. Pouco tempo depois de ter sido inaugurado fui deslocado com mais três pessoas para este edifício: o Pedro Fernandes, a Irene Valente e o Manuel Silva. Pontualmente via a equipa técnica (Hugo Gamelas, João Barbosa, João Teixeira, José Machado e Fernando Soares) porque trabalhavam essencialmente na altura dos espetáculos. Paralelamente, já trabalhava com o Gabinete de Comunicação e ia acumulando o volume do CTE com o da autarquia em geral. Em 2009 fui colocado no edifício dos Paços do Concelho, no Gabinete de Comunicação, Relações Públicas e Turismo onde me mantenho até agora, trabalhando toda a comunicação do Município juntamente com a Ana Rita. É certo que tenho a comunicação gráfica do CTE por minha conta, mas não sou exclusivo dela nem ela de mim. Trabalhamos em equipa e de forma multidisciplinar.

O que faz um designer gráfico de um espaço cultural como o CTE?
Basicamente trabalha todos os artefactos comunicacionais do projeto cultural e para um público tão vasto quanto se possa imaginar. Posso tentar resumir embora com a ressalva de poder esquecer alguma coisa. A primeira é a identidade do espaço (que já foram duas!), depois os cartazes, os flyers e os postais, publicidade na imprensa, a agenda municipal, as telas e os mupis, a bilhética, a sinalética e os pictogramas, os avisos mais variados, as folhas de sala dos eventos, as legendas para os cartazes que são fornecidos pelos produtores externos, as publicidades para os periódicos, os slides de projeção, alguma da decoração que se pode ver pelo edifício (fotografias dos camarins ou a frase recentemente colocada na entrada). Resumidamente é isto: estuda e implementa a melhor forma de comunicar determinada mensagem.

O CTE tem uma agenda cultural recheada. No último ano, por exemplo, recebeu 256 eventos, o que dá uma média de 5 eventos por semana. Como é gerir todo este volume de trabalho, sendo que acumulas também as restantes iniciativas do Município?
São realmente números grandes e nem tinha essa noção. A comunicação gráfica do CTE agrupa-se basicamente em três grandes temporadas: uma de janeiro a março, outra de abril a julho e, finalmente, a dos meses de outono (setembro a dezembro). Trabalhamos a maioria dos produtos nestas fases e depois vamos gerindo a saída dos mesmos para a rua. Claro que há sempre coisas que temos de fazer que não estavam previstas inicialmente. Este trabalho acaba por se tornar mais simples porque os conteúdos vêm já preparados pela Catarina Vasconcelos. Diria que a parte mais complicada da comunicação do CTE é mesmo a agenda municipal e sabemos bem quanto suamos devido ao sempre escasso tempo que temos para a fazer. Uma constante troca de e-mails e telefonemas entre mim e a Catarina: “corta texto no evento x”; “arranja mais caracteres para página y”; “pede aos produtores mais fotos que estas têm pouca resolução”. É quando o trabalho de equipa se torna mais evidente e temos o gabinete sempre disponível para ajudar. No fundo, todo este processo se torna ainda mais interessante porque, no final, acabamos por aproveitar mais o “já está feito!”. E com isto, vamos com 40 agendas realizadas.

Teatro, dança, cinema e música. Uma diversidade de artes, temáticas, públicos. Quando desenhas um cartaz, por exemplo, quais as tuas principais preocupações?
No fundo, com a prática, e já conto com 10 anos de CTE, fui criando processos mentais que agilizam o desenvolvimento da comunicação gráfica. À partida é sempre mais fácil produzir artefactos para um determinado espetáculo que para um conjunto deles. Se me pedem para comunicar um determinado concerto, consigo perceber qual o público-alvo a atingir e qual a melhor forma de o fazer. Sei, por exemplo, que sendo um concerto dos Tindersticks, como já aconteceu, não vou comunicar de igual maneira como se fosse um concerto de António Zambujo. São públicos diferentes embora se possam cruzar. E isto aplica-se ao teatro, à dança ou a outras áreas artísticas. Agora, se tiver de comunicar os destaques de determinado mês já tenho que ter outras preocupações. Escolher a imagem que mais possa mostrar o que é cada um dos espetáculos ou, como mais recentemente temos feito, usar a imagem do espetáculo que consideramos o mais transversal desse período e listar todos os outros de forma coerente e estrategicamente hierarquizados. Há mais ferramentas que nos ajudam imenso na comunicação e acabam por complementar o nosso trabalho, tal como as redes sociais ou newsletters.

Onde vais buscar inspiração?
Às vezes precisava de ter mais tempo para me inspirar, mas nem sempre é possível e acabo muitas vezes por “transpirar” mais do que devia. Mas, no fundo, essa inspiração vem de um acumular de informações e de imagens que vou guardando mentalmente. Aprendi na faculdade o quão importante é a cultura visual e ir sempre alimentando-a, quer através de livros, exposições, fotografias, filmes ou até das “imagens” que algumas músicas nos dão. Basicamente, procuro em tudo o que vejo. Depois, sempre que viajo, procuro ver como se faz noutros locais, até mesmo nos mais longínquos que, mesmo comunicando com caracteres que não entendemos, conseguimos perceber a arquitetura da comunicação. Claro que isto se nota na minha biblioteca que está constantemente desarrumada e cheia dos mais diversos papéis. Finalmente, e porque um designer não se isola do mundo para conceber, partilho com as colegas de gabinete e com amigos ideias e conceitos, e isto é sempre fulcral. Às vezes de uma conversa menos séria sai conteúdo para uma boa ideia. Sabemos bem que é assim.

Estás no CTE praticamente desde a primeira instância. Deste cor e imagem a esta marca cultural da região, desde a logomarca aos pictogramas que ainda hoje guiam os espetadores pelos vários espaços deste equipamento. Que balanço fazes destes 10 anos?
Diria mesmo que estou desde este segundo nascimento, tal como o Hugo, o Zé, o Barbosa, o Manuel ou a Irene. Trabalhei a reabertura em 2005 e acabei há pouco o flyer do cinema digital deste mês. É incrível ver como um espaço novo e uma equipa pequena foi conseguindo tornar o CTE numa marca regional e nacional. É fantástico olhar para trás e lembrar espetáculos tão únicos que me deixam cheio de orgulho por tê-los trabalho (e os ter visto, claro!) e olhar para a frente e ansiar pela próxima temporada, que temos o privilégio de conhecer antes do grande público, e começar a pensar nas imagens, nos títulos e nos formatos que lhes vamos dar.

Nestes anos, também a imagem dos materiais de divulgação do CTE foi mudando. Um processo natural ou planeado?
Uma coisa acaba por levar à outra. Por exemplo, a agenda começou por ser um pequeno bloco de 10x10cm e mensal. A primeira capa foi horrível. Era de um monólogo de Virgílio Castelo chamado Vincent e era sobre a vida de Van Gogh. Não havia imagens e a única que existia tinha muito má resolução. Bem, a agenda foi evoluindo. Mudou de formato ao fim de meia dúzia de números e cresceu, também por causa da inserção da restante programação municipal. Depois deixou de ser mensal e passou a trimestral. Voltou a mudar de formato e cresceu novamente e assim se mantém, chegando hoje à AME – Agenda Municipal de Estarreja, uma agenda transversal aos vários setores do município. Também as escolhas tipográficas foram sendo alteradas por imposição da falta de espaço, muito texto para mostrar, e há outros cuidados com a capa, felizmente. E isto aplica-se, naturalmente, aos restantes artefactos comunicacionais. Foram evoluindo e tendo uma coerência própria que se percebe. Há uma identidade por detrás que se mantém e permite que tanto eu como a Rita possamos pegar em determinado projeto e concluí-lo sem que se perceba naturalmente quem o fez. É a natural evolução!

Bruno Azevedo, designer gráfico

Bruno Azevedo, designer gráfico