[ENTREVISTA] O lado burocrático dos espetáculos

Entrevista a Irene Valente

sexta, 19 de junho, 2015

Entre processos de despesa, notas internas, assinaturas, telefonemas, pedidos de transporte e gestão de fundos de maneio, os serviços administrativos de um teatro são outra peça fundamental no puzzle que compõe o espetáculo. Bem-vindos ao mundo de Irene Valente, mulher de personalidade forte que, no meio de tanta papelada e assuntos determinantes para a execução dos espetáculos, prefere “não guardar para amanhã o que pode fazer hoje”.

Irene Valente | Salreu

O que faz o responsável pelos serviços administrativos do CTE?

Não sou “responsável” pelos serviços administrativos do CTE! O que faço no CTE é, entre outras coisas, o serviço administrativo e consiste em recolher informação referente a custos, necessidades logísticas dos eventos para, depois de alguma insistência, fazer os respetivos processos e encaminhá-los para o Departamento Económico e Financeiro da Câmara Municipal. Emitir guias de tesouraria, fazer a separação e arquivo de documentação interna, atender chamadas telefónicas, inscrever as pessoas que pretendem receber a nossa agenda são também algumas das minhas funções. Ou seja, não me considero “a responsável” porque grande parte deste serviço administrativo depende de terceiros para se iniciar e, consequentemente, outros dependem de mim para lhe dar seguimento. Não o faço sozinha.

Obriga a muita organização…

Não sei se o termo é “organização”, até porque não sou muito organizada (risos). Talvez por isso é que ando sempre com o CTE no pensamento mas, sim, não podemos andar aqui a fingir que fazemos, nem a guardar para amanhã o que podemos fazer hoje, até porque amanhã, aparecem mais umas quantas tarefas para fazer.

Como chegou ao CTE?

Entrei para a Câmara Municipal no dia 1 de abril de 2005. Comecei por fazer a limpeza nos Edifícios, conhecidos por “antigas casas dos Magistrados”, que era onde funcionava, numa das casas, o Departamento de Educação e Assuntos Sociais e a Escola Municipal de Desporto. Na outra casa estava o projeto BioRia, posteriormente o gabinete médico, e o andebol usava o rés do chão para reuniões. Tinha mais alguns gabinetes a funcionar mas não me recordo em que áreas. Como trabalhava só da parte da manhã raramente me cruzava com as pessoas deste Edifício. Para além destas limpezas, também fazia a receção na Câmara, das 17h até às 20h. Por norma, guardo sempre dias de férias para tirar no final do ano e, no final de 2005, antes de ir de férias, o Dr. Abílio Silveira, na altura Vice-Presidente do Município, veio ter comigo e perguntou-me se gostaria de fazer outras coisas e de mudar de local de trabalho. Não sei se foram estas as palavras exatas, mas o contexto era este. Na altura confesso que fiquei a pensar qual seria o local. Disse-lhe que tinha de trabalhar, independentemente do local, e foi aí que ele me disse que, quando regressasse das minhas férias, ia deixar as “casas dos Magistrados” e a receção da Câmara e iria para o CTE, no horário completo. Assim, cheguei ao CTE no dia 2 de janeiro de 2006 e esperei que chegasse alguém para me abrir a porta. Foi quando chegou o Manuel, que conhecia mais ou menos, já que, na altura e tal como agora, era uma “figura pública” (risos).

E foi aí que começou a tratar da papelada dos espetáculos?

Logo no primeiro dia, enquanto não chegava mais ninguém, o Manuel foi-me colocando a par do que se fazia cá dentro. Disse-me também o que era necessário fazer. Por um lado a manutenção do edifício, que consistia em fazer a limpeza, ver se havia alguma anomalia e arranjar ou informar para ser arranjado e, por outro lado, a bilheteira que, por aqueles dias, ganhou um programa informático para emissão e reserva de bilhetes. Nos eventos sem bilheteira também fazia Assistência de Sala. Por falar em Assistência de Sala gostava de recordar algum colaboradores que, apesar de não fazerem parte do staff permanente e direto do CTE, fizeram parte do projeto inicial, nomeadamente a Dra. Cristina Martins e a Dra. Carla Miranda, que desempenhavam funções de Frente de Casa ou Assistentes de Sala em alguns eventos noturnos, aos fins de semana e feriados. Mais tarde também a Fátima Silva, que continua a desempenhar as mesmas funções, o Luis Oliveira e o Paulo Rodrigues que tratavam da Segurança e Controlo de Portas. Entretanto chegou o Dr. Abílio, que passou a ser o meu chefe uma vez que o CTE estava afeto a ele, e o Programador de então, ao qual fui apresentada, mas que também já conhecia de vista. Apresentações feitas e, palavra acima palavra abaixo, perguntaram-me se sabia trabalhar no Word e Excel. Respondi que tinha umas noções. Foi então que me apercebi que as minhas funções não iam ser só aquelas que o Manuel me tinha dito. Ia também dar apoio na administração. Assim começou a minha aventura no meio dos papéis, área em que nunca tinha trabalhado, nem tinha qualquer conhecimento. Quando cá cheguei não fazia ideia do que se fazia numa sala de espetáculos. A minha ligação com a cultura, na época, eram as idas mais ou menos regulares ao cinema. Fora isso, em recintos fechados, não tinha como hábito ir a eventos.

E rapidamente entrou no esquema. Entre pedidos e assinaturas ou preenchimento de declarações e elaboração de processos de despesa, recorda-se de alguma situação mais difícil de contornar?

No início foi complicado. Estava habituada às coisas simples, na base da palavra. Quando cheguei, eram precisas Notas Internas, Informações, Despachos, Ofícios, Informações de Cabimento para tudo e mais alguma coisa. Andei ali uns tempos perdida, até que comecei a levar “uns abanões” e apercebi-me que teria de me adaptar e seguir em frente. Assim, fui testando as minhas resistências, para o lado negativo, ganhando experiência e realização pessoal, para o lado positivo, até hoje. Quanto à situação mais difícil de contornar, na minha opinião não existem situações difíceis de contornar desde que todos dancemos a mesma música o que ainda vai acontecendo mas, infelizmente, muito poucas vezes.

Quando se tratam de espetáculos ou artistas agenciados no estrangeiro, tudo se processa da mesma forma?

Não, a começar pelos impostos. O português é, sem dúvida, um povo guerreiro. É daqueles que menos ganha mas, em contrapartida o que tem mais obrigações e impostos. Quando digo não, não é tanto ao nível do serviço que faço, mas mais a nível de contabilidade. Aí as coisas são díspares. Sei isto porque quando falo com os colegas acerca de um processo cujo fornecedor está sediado no estrangeiro, apercebo-me que sim, que se processa de maneira diferente. Já agora, aproveito a oportunidade para agradecer a todos os colegas, por toda a ajuda que me deram e dão e pela paciência que tiveram e têm comigo. No início não foi fácil, mas agora também não o é. Ainda hoje, a nível de procedimentos, quando surge alguma dúvida ou novidade volto a recorrer à paciência dos colegas e peço ajuda na resolução do problema. Nalguns casos, acaba por ser novidade para todos pelo que, torna-se um processo de aprendizagem mútua.

Trabalhar num teatro é um desafio constante?

Trabalhar num teatro? Não tenho forma de comparar, uma vez que nunca trabalhei noutro teatro, mas, trabalhar neste teatro… é amar-te, assim, perdidamente… é dar a alma e sangue e vida de mim e não dizê-lo cantando a toda a gente! (risos) Que me perdoe a Florbela Espanca por ter adaptado o seu poema, mas acho que diz tudo.

Irene Valente, serviços administrativos do CTE

Irene Valente, serviços administrativos do CTE