[ENTREVISTA] O brilho das luzes

Entrevista a Hugo Martins

segunda, 1 de junho, 2015

O que seria de um espetáculo sem luzes? Parte integrante da ficha técnica e artística, o desenho de luz é fundamental para acentuar a tridimensionalidade da cena, criar tensões, atmosferas, esconder ou destacar determinados momentos ou aspetos do cenário. Não há espetáculo ou concerto que viva sem iluminação, mais ou menos complexa, com mais ou menos brilho. No Cine-Teatro de Estarreja é o Hugo Martins quem trata da iluminação dos espetáculos ou concertos. De vara em vara, de projetor em projetor, o Hugo não precisa de pinceis para pintar, mas sim de eletricidade.

Hugo Martins | 34 anos | Salreu

O que faz o técnico de luz de um teatro?
Depende muito do tipo de teatro em que se trabalha. Num teatro de criação artística, o técnico desempenha um papel mais criativo e participativo no desenvolvimento do espetáculo. Nesse conceito de teatro, o técnico elabora desenhos de luz para os espetáculos em criação, bem como faz, juntamente com a equipa técnica, as montagens da iluminação que desenhou previamente. Por outro lado, se o trabalho do técnico de luz é desenvolvido num teatro de acolhimento, como o CTE, foca-se mais em receber os espetáculos em digressão e recolher todos os elementos necessários junto do técnico da companhia que visita o espaço para elaborar um plano de pré-montagem, numa fase inicial, bem como dar todo o apoio necessário ao espetáculo. Ajudar nas montagens, afinar os projetores, programar a mesa de luz são algumas tarefas inerentes ao trabalho de técnico de luz de um teatro de acolhimento. Nos momentos em que não há espetáculos, a manutenção de todo o material de luz é da responsabilidade do técnico, para zelar pelas boas condições e bom funcionamento do mesmo.

A poucos dias de um concerto ou peça de teatro, quais as tuas preocupações?
Nas vésperas de um espetáculo trato de reunir, junto do nosso diretor técnico, todos os elementos necessários para efetuar a pré-montagem de luz. Isto acontece quando o responsável da companhia que acolhemos envia o dossier técnico, onde estão as plantas de luz, de som, de vídeo, de maquinaria, entre outros elementos necessários. Caso não haja nenhum impedimento para avançar com a pré-montagem fazemo-la, normalmente, no dia anterior. Isto possibilita notar possíveis falhas ou problemas que podem não ter sido detetados pela companhia quando elaborou ou adaptou o espetáculo ao nosso espaço e assim vamos a tempo de resolver, entrando em contacto com o responsável técnico da companhia e arranjando uma solução. Este trabalho prévio facilita a montagem e permite que esta decorra com calma e normalidade. Os tempos de montagem de um espetáculo são geralmente muito curtos e não há grande margem para erros!

Então, o desenho de luz já costuma estar definido. E o trabalho durante o espetáculo, na mesa, quem o faz?
No CTE, por ser um teatro sobretudo de acolhimento, o desenho de luz costuma vir definido. Mesmo assim, posso ter de fazer uma ou outra adaptação ao espaço (alteração de varas de iluminação ou alteração de projetores). Mas, por exemplo, aqui no CTE temos um grupo de teatro residente, o Teatro do Desassossego, que desenvolve projetos e peças novas todos os anos. Para a construção dos espetáculos deles, sou eu quem faz o desenho de luz e também as montagens e operação do espetáculo. Neste Cine-Teatro acolhemos muitos e variados espetáculos e, consoante as suas especificidades, eles ou são acompanhados por técnicos responsáveis que orientam as montagens e operam o espetáculo ou não. Nesse caso, eu opero o espetáculo por indicação do responsável máximo da equipa que acolhemos. Também pode acontecer um misto: faço a montagem segundo o que está na planta enviada e a operação ser da minha total liberdade. Mas, posso dizer que em cerca de 90% dos espetáculos mais complexos, estes são acompanhados de um técnico próprio que opera o espetáculo.

O desenho de luz de um determinado espetáculo tem de ser cumprido à risca? Todos se adaptam ao palco do CTE?
Para um desenho de luz ser cumprido à risca, quem o desenha tem de fazer um bom trabalho de adaptação ao nosso espaço. Esse trabalho passa por ter uma noção muito precisa do nosso palco, da relação que este tem com a plateia e das varas existentes dentro e fora do palco. Como esse trabalho raramente é feito, por falta de tempo ou de verba para uma visita técnica ao nosso espaço, fazemos nós as adaptações. Tentamos fornecer o máximo de informação possível sobre o nosso espaço para auxiliar quem desenha e nos traz os espetáculos. Temos tido muitos espetáculos de montagem complexa por causa das dimensões dos cenários ou da disposição das varas em palco, mas conseguimos sempre adaptar o desenho de luz ao nosso espaço. É incrível lembrar alguns espetáculos que pensávamos só ser possível assistir num palco como o do Coliseu, Rivoli ou outro grande teatro, e que já passaram por aqui, para grande satisfação nossa e, sobretudo, do público! Mas é evidente que há outros espetáculos que não conseguiríamos receber… essa avaliação passa, numa primeira fase pelo programador cultural e, depois pelo diretor técnico.

As varas de luz são o teu habitat! Já aconteceu algum episódio mais arriscado?
Tenho uma boa relação com as varas de luz. No entanto, existe sempre um fator associado: as alturas! Em todos estes anos como técnico de luz recordo um ou outro episódio, sempre relacionado com as alturas das varas e aliado à forma como tinha de lá estar para afinar os projetores. Lembro-me de uma situação quando estava a trabalhar no Porto. Tive que afinar a luz, mas o local obrigava a estar a cerca de 14 metros de altura e de cabeça para baixo… A situação por si só já não era nada confortável para mim, mas o técnico que estava a coordenar a afinação e a dizer para onde eu devia afinar o projetor, demorou 45 minutos a dizer-me como queria a afinação! Posso dizer que aqueles 45 minutos foram dos mais longos e stressantes que tive na vida.

Recordas-te de algum espetáculo com um desenho de luz realmente complicado?
Eu trabalhei algum tempo com o Filipe Lá Féria e claro que os espetáculos dele envolvem muita gente, muito tempo, muito trabalho técnico. Eram desenhos de luz muito complicados, desafiantes e muito ambiciosos, onde os tempos de montagem e afinação são um processo contínuo de várias semanas. Numa produção dessa envergadura todo o processo criativo é longo mas ao mesmo tempo com muita pressão para estrear o mais rápido possível. Posso dizer que terá sido nestas produções que ajudei a criar os desenhos de luz mais complexos, mas muito gratificantes pelo resultado final, espelhado na reação do público ao espetáculo. O desenho de luz em que mais gostei de participar, pela sua complexidade, foi sem dúvida o do espetáculo “Jesus Cristo SuperStar”.

Foi sempre esta a profissão que quiseste ter? Como chegaste até ao Cine-Teatro de Estarreja?
Nem sempre. Durante muito tempo estive ligado ao desporto e fiz desporto de alta competição. Durante algum tempo pensei em tirar um curso de desporto. Mais tarde fui para o Porto onde estudei desenho. Nesse período tive mais ligação ao teatro e fiquei a conhecer o curso de Luz e Som, na ESMAE. Candidatei-me e entrei! Durante os quatro anos do curso tive a oportunidade de começar a trabalhar na área e assim fui construindo o meu percurso profissional. A minha vinda para o CTE coincidiu com a vontade de um colega que cá trabalhava querer sair para novos projetos profissionais. O Município precisava de um colaborador para o substituir e eu candidatei-me ao lugar. Fui aceite neste Cine-Teatro e, até hoje, continuo a colaborar com toda a equipa técnica, pela qual manifesto grande apresso e amizade. Posso dizer que somos uma equipa bastante coesa e com um sentido de missão e respeito para com este espaço e para com este Município.

Hugo Martins - Fotografia: HGamelas

Hugo Martins - Fotografia: HGamelas