José Machado: “Importa é fazermos aquilo que realmente gostamos”

segunda, 15 de junho, 2015

Para José Machado, os pés são para manter no chão e o caminho percorre-se com a luz certa. Herdeiro de uma linhagem de sapateiros, ofício ao qual também se dedica, esculpindo sapatos que viajam no tempo, José Machado é técnico de luz no CTE desde a primeira instância. Aos 42 anos, são muitas as histórias que recorda deste renovado equipamento cultural, numa vida partilhada entre a magia que a cortina revela, o romantismo de uma marca registada e a família que tudo justifica.

José Machado | 42 anos | Vila do Conde

Como surgiu o CTE na tua vida? Já eras técnico de luz?

Depois de ter estudado iluminação de cena e realização plástica na Academia Contemporânea do Espetáculo, no Porto, tive o grande privilégio de começar, em 1997, a trabalhar como técnico de luz e aderecista no Ballet Contemporâneo do Norte (BCN), dirigido artisticamente pela coreógrafa e professora Elisa Worm e com direção técnica de Orlando Worm. A companhia estava nessa altura sediada num espaço próprio em Estarreja e como durante vários anos a cidade, infelizmente, esteve privada do seu Cine-Teatro, por causa do processo de Reabertura, o auditório do BCN, em parceria com a Câmara Municipal de Estarreja, serviu de promotor de vários espetáculos, não apenas de dança mas também de musica, teatro e cinema. Aquando da fase final de reabertura, a Dra. Rosa Maria e o então Vereador da Cultura, Dr. José Cláudio Vital, propuseram criar uma equipa técnica que assegurasse a abertura do novo CTE. O meu nome e o do João Teixeira, meu colega no BCN, foram dos que primeiro surgiram. A equipa técnica foi constituída por mim e pelo Teixeira na Iluminação e Maquinaria, pelo Hugo Gamelas no Som, pelo Fernando Soares nos Audiovisuais e pelo João Barbosa como Eletricista e apoio de palco.

Então participaste no nascimento desde novo CTE. Como foi estar imbuído em todo o processo, antes, durante e após a reabertura?

Na verdade não estive na génese do processo, cheguei um pouco mais cedo do que a restante equipa técnica, mas já na reta final. E, como se pode calcular, ou não estivéssemos em Portugal, os atrasos foram bastantes e nos dias antes da reabertura foi necessário fazer algumas noitadas para que na hora em que o pano se abriu, em 2005, tudo estivesse pronto para esta nova etapa que comemora agora 10 anos. Eu sempre entendi o CTE como um “grande porto” para a cidade, um veiculo de promoção e democratização da cultura, um pilar essencial e fundamental no desenvolvimento desta região e, nessa medida, é um orgulho fazer parte desta estrutura que, ao longo destes anos, muito tem contribuído para o enriquecimento cultural e identitário desta comunidade.

Em termos de luminotecnia, o equipamento do CTE sempre foi o mesmo ou foi sofrendo alterações?

Eu diria que 75% do material de iluminação é o mesmo e isso só tem sido possível pelo uso adequado e pela manutenção que, ao longo dos anos, tem sido feita. Felizmente, nestes 10 anos foi possível ir corrigindo, em todas as áreas, algumas questões técnicas e estruturais deficitárias ou inexistentes, que já vinham da fase do projeto e adjudicação, e que não nos permitiam trabalhar da melhor forma  na iluminação. É disso exemplo máximo a colocação de uma ponte/vara eletrificada  junto ao teto da sala, que veio permitir uma fundamental iluminação frontal.

Achas que os desenhos de luz se tornaram mais complexos com o passar do tempo ou são sensivelmente iguais hoje e há 10 anos atrás? Lembras-te de algum desenho realmente difícil de cumprir?

Não sinto que os desenhos sejam mais complexos. O que sinto, e penso que é um bom sinal, é que hoje em dia cada vez mais as companhias, grupos e sobretudo as coletividades amadoras  se apercebem de que as suas apresentações só têm a ganhar se, também no que diz respeito à luz, trabalharem o espetáculo de acordo com o que se pretende dizer, contar, expressar. Todos os desenhos têm as suas especificidades e todos têm as suas dificuldades, há  inclusive alguns que chegam a demorar vários dias a montar. Mas mais do que enumerar um deles prefiro antes contar aqui um “não desenho” que realça bem  o profissionalismo, a entreajuda que sempre existiu na nossa equipa técnica, que nos permitiu ultrapassar contratempos e da qual muito me orgulho de pertencer. Refiro-me à primeira passagem de António Zambujo pelo CTE, já há alguns anos. Ele ainda não era a estrela que hoje todos conhecem e admiram. Quando chegou vinha só com os músicos, como é natural em artistas no início de carreira. Na altura não tinha o suporte técnico que tem hoje, por isso o desenho de luz e de som ficou a nosso encargo. De uma coisa eu tenho a certeza: das cerca de 50 pessoas que viram esse concerto memorável, nenhuma se deve ter dado conta que toda a parte técnica foi resolvida durante uma tarde e sem ensaios. Isso, na minha opinião, é muito revelador do ótimo trabalho realizado.

São inúmeras as estórias deste espaço. Tal como aconteceu com o António Zambujo, quando tens liberdade para operar um espetáculo e pensar no desenho de luz, que dinâmica preferes? Porquê uma cor e não outra?

Isso é uma matéria que nunca está predefinida. É certo que cada designer de luz tem o seu estilo próprio o gosto pessoal, mas para mim o que está sempre em primeiro plano é a matriz do que se quer dizer, contar, expressar. Só  depois de perceber esta matriz é que tento encontrar as cores, a dinâmica, os efeitos, as sombras, os tempos, as ausências de luz que, na minha opinião, melhor servem e se adequam na valorização dessa ideia matriz.

Persistência ou paixão… Fazes mais de 160km para vir trabalhar para o CTE e voltar a casa, onde te espera a Machado Handmade, com novas abordagens ao ofício de sapateiro, e ainda a tua família. Como é gerir tudo isto?

Não é de todo fácil e só é possível porque desde a primeira hora o meu vínculo contratual com o CTE tem sido constante, mas muito reduzido. E depois porque, no seio familiar, tento ao máximo compensar as ausências. Uma coisa que damos muito valor é tentar que as nossas filhas percebam o quão importante é fazermos aquilo que verdadeiramente gostamos, pois essa é, na minha modesta opinião, a melhor forma de nos sentirmos realizados e podermos, assim com energia positiva e com essa Persistência e Paixão, remar contra todas as adversidades que todos os caminhos acabam por ter.

Mas deixar o mundo do espetáculo está fora de hipótese!

Obviamente que sim.

José Machado

José Machado